sábado, 11 de setembro de 2010

4 agentes da PRM desabafam sobre os acontecimentos de 1 e 2 de Setembro

Num depoimento emocionante, quatro agentes revelam com exclusividade ao @Verdade o enredo do 1 e 2 de Setembro, as ameaças aos jornalistas, as balas perdidas, as dificuldades da profissão, o “negócio” da escolta e a dor de disparar no rosto de um problema que também é o
deles: as manifestações contra o custo de vida…


João Sem Vontade*, com 7 anos na Polícia, foi um dos agentes da lei e ordem que reprimiu as manifestações populares de 1 de Setembro contra o custo de vida, mas nem por isso deixa de ser vítima da alta de preços de bens de primeira necessidade. “Um polícia recebe 3500 meticais e um saco de arroz de 50 quilos custa 1550”, afirma cabisbaixo. Obede Carlos*, funcionário da Polícia há dez anos, não fala do preço do arroz, mas diz que cortou, por conta do custo de vida, o sabão líquido das suas despesas mensais. O frigorífico, por exemplo, “já não funciona 24 horas porque a energia também subiu”.

Jacinto Jacinto*, com 13 anos na corporação, não sabe o que é comprar um saco de arroz de 50 quilos há cinco anos. “Compro o saco de 25 quilos porque se optar pelo de 50 fico sem dinheiro para o carvão, o açúcar e para o transporte”, diz.


Silvério Silvério*, há 16 anos na Polícia, concorda com Jacinto, mas acrescenta que “por este andar, em Dezembro trocaremos o saco de 25 quilos pelo de 10. O arroz sobe todos os dias”, desabafa.


Balas perdidas
“Aquelas pessoas manifestaram-se por nós (polícias) já que não podíamos estar no meio delas”, garante. A seguir mostra que a AKM é uma arma muito traiçoeira. “Um tiro para o ar pode, no caso de encontrar uma parede ou um objecto sólido, ganhar outra direcção e atingir uma pessoa mortalmente”, justifica João, numa alusão ao facto de, na sequência dos protestos, a opinião pública ter acusado, na generalidade, os polícias de ter atirado para matar. “O que não quer
dizer que os polícias tenham atirado em exclusivo para o ar. Houve colegas que dispararam para a população e até para pessoas indefesas”, comenta Silvério.


Na verdade, diz Jacinto Jacinto*, que trabalhou num dos pontos onde a manifestação popular foi mais violenta, Xiquelene, “a Polícia não tinha como conter os ânimos, os manifestantes atiraram pedras. O carro da terceira esquadra ficou sem o vidro traseiro. Alguns comandantes ficaram feridos. Não é verdade que usamos apenas balas de borracha. Em Xiquelene, por exemplo, o carro da Polícia não voltou por causa dos manifestantes. Voltou porque já não tinha balas, tanto reais como de borracha”, esclarece. O bairro do Jardim e Magoanine completam com Xiquelene o trio que elevou a violência aos níveis mais altos nos dias 1 e de Setembro. O bairro do Triunfo e Av. Acordos de Lusaka vêm na segunda divisão da violência.



No Xiquelene, por exemplo, para a Polícia chegar até a ponte que fica no fundo do mercado, na Av. Julius Nyerere, foi preciso a intervenção de uma coluna.



Morreram mais do que dizem
Depois dos protestos, os números oficiais contavam 13 mortos e 400 feridos, mas João não acredita. “Morreram mais pessoas, mas os dados não foram avançados.” Em alguns casos a Polícia foi negligente e Obede cita o que aconteceu no bairro Luís Cabral, onde um jovem foi
perseguido e atingido mortalmente com balas reais.


Polícia também é povo
“Trabalhamos 30 dias e o salário só dura três ou cinco”, diz e acrescenta: “Muitos dos que queimaram pneus e atiraram pedras fazem contas para chegar ao fim do mês.” Por isso, garante, “não é fácil estar por detrás da arma que dispara contra o povo. Até porque esse povo “é nossa imagem e semelhança”. Aliás, “quem não tem pão somos nós; quem reclama o custo de vida somos nós; o gás e o arroz subiram para o povo e, como deve calcular, com o salário do polícia não é possível não sentir os efeitos desse problema. Por isso, não é difícil concluir que, apesar do fardamento, também somos parte do povo.

Efectivamente, “é fácil condenar, mas antes é preciso compreender que, se fosse possível, estaríamos do lado dos que reclamavam pelo custo de vida. Bem no fundo, nós estávamos a torcer para que tudo desse certo”, refere. Na verdade, “disparar contra o povo foi um acto de dor”, afirma.

No entanto, as manifestações, no entender de João, não pararam por conta da acção da Polícia. O povo não se organizou para o efeito e as pessoas que estavam na rua vivem de pequenos biscates. “O dinheiro que fazem na rua serve para resolver problemas imediatos e, passados dois
dias, já não tinham o que comer e foi por isso que voltaram ao trabalho”, acredita.

Os agentes ouvidos pelo @Verdade concordam com as manifestações, desde que não sejam violentas. “Apoiaremos uma greve pacífica”, diz João Sem Vontade. “Se as pessoas cruzarem os braços e não fizerem nada, como os madgermanes, a Polícia não tem razões para reprimir esse tipo de greve”, acrescenta Obede Carlos.

O trauma
Quando Silvério entrou para a Polícia, jamais pensou que o preço do sonho de manter a ordem pública, cultivado por milhares de jovens moçambicanos como ele, se tornaria uma cicatriz, gravada para sempre na sua vida sob a forma de um trauma. “Não me consigo esquecer do
Hélio”, confessa. Estava no carro de onde saiu o tiro que o atingiu. Silvério só não diz quem disparou. “Éramos muitos e é difícil saber de quem foi o tiro nestas circunstâncias. No entanto, vou viver com a incerteza de ter sido meu. É uma marca me que vai perseguir até à cova. E o pior é que não era alguém que estava na manifestação. Soube pelos jornais que se tratava de um estudante. Como é que podes viver em paz quando as imagens mostram sangue e livros?” Acrescenta: “Talvez Hélio tivesse, um dia, a instrução que eu não tive.”

Uma profissão miserável

Obede Carlos fala abertamente sobre os perigos da profissão. “A Polícia não tem meios para reprimir o crime. Não temos protecção nenhuma e estamos à mercê dos malfeitores. Não temos subsídio de risco e o salário, já se sabe, é uma vergonha. Isto é uma profissão para sobreviver.” João não gosta do que faz e se pudesse arranjava outro trabalho, mas confessa que não tem “outro modo de vida”. Silvério é ainda mais contundente: “Se eu morrer a minha família fica na maior desgraça.”

Silvério diz que a situação melhorou mas reconhece que os meios não são os mais adequados. “Actualmente conseguimos cobrir a cidade por causa das viaturas, mas não é normal o polícia fazer 24 horas de serviço, sem descanso e refeição.

Como não é possível regressar aos nossos lares para passar as refeições, temos de gastar o nosso dinheiro para nos alimentarmos. Nestes dias temos direito a alimentação, mas é só por conta das
manifestações”, revela João. Depois disto, “o luxo vai acabar.”

Segundo as nossas fontes, alguns membros da corporação trabalharam mais do que 72 horas. Obede, com o dedo em riste, diz que é um deles. “Trabalhei terça, quarta, quinta”. Jacinto afirma que “o polícia, por norma, trabalha 24 horas, mas mesmo isso é desumano. Ninguém trabalha 24 horas”. No entender de João, isso é escravatura. Aliás, algumas mortes podem ser explicadas pelo cansaço dos homens da lei. “Olha para o caso de Obede quando enfrentou a população já tinha mais de 24 horas. Que discernimento é que ele tinha para lidar com a situação?”

Andar com arma é um risco

Apesar de reconhecerem que os polícias não têm meios para a sua defesa pessoal julgam que “não ter arma é uma protecção. Quando as pessoas sabem que tens uma arma perseguem-te e corres o risco de ser assassinado, mas o pior é quando te roubam a arma. Como justificas?

* Nomes fictícios

3 comentários:

Anônimo disse...

Pois o que descreves é uma verdadeira lição de vida. A revolução de Abril teve as forças armadas ao lado da população e os tanques com cravos no lugar das balas!!
Sendo Moçambique, um dos países mais pobres do mundo não admira a revolta que manifestou. O que é espantoso é a forma como esses 4 agentes se expressam!!! A vida miserável que levam!!! Nem se percebe como não se revoltam!!!
Segundo percebi, este motim teve efeitos e o governo acabou por não aumentar alguns dos preços, não foi? Apesar da preocupação, enquanto durou o conflito, estávamos a torcer pelo povo moçambicano!!! Quanto aos polícias, raramente tinha pensado neles como "povo" igualmente carenciado. Esta crónica clarifica muito bem esse lado. Gostei muito!
Beijinhos da Mãe Manuela

Anônimo disse...

Quem é o @verdade?
Infelizmente o teu artigo é uma enorme e horrível verdade.
Moçambique tem uma grande pobreza é dificil conviver com isso.Estar atento às conversas e escrever como tu fazes é uma ajuda possível
! TZé

JCarolino disse...

@verdade é um jornal digital, talvez tambem tenha versão em suporte de papel nao sei.
Eles trabalharam menos mal nestes episodeos e regularmente punham noticias as que eu achei interessantes divulguei para quem está longe.
Mãe, atenção eu nao descrevo, apenas passo a informação! Tenho mais novidades sobre o caso! Vou publicar!

Tia e Mãe beijinhos e obrigado pelos comentários!

Joao