terça-feira, 6 de outubro de 2009

O País do Queixa Andar

Faz tempo que não tenho conseguido agarrar num livro e LER. Tenho saudades de viajar através das letras que por outro alguém foram inscritas em folhas de papel. Resolvi então aproveitar um momento, em que sou mesmo obrigada a parar(WC), e comecei a ler um livro. Chama-se "O país do Queixa Andar" e é resultante de crónicas jornalísticas que foram publicadas durante as décadas de oitenta e noventa nas colunas "Queixatório" e "Imaginadâncias" que Mia Couto assinava no jornal "Domingo".
Este livro, de 2003, tem-me feito rir, para dentro, pois como é que alguém com tanta delicadeza, charme, imaginação, elasticidade e plasticidade lexical, consegue dizer duras verdade. Tiro o meu chapéu a este senhor.

Não sei se o livro foi editado em Portugal, mas talvez não faça tanto sentido quando não se passou por estas terras. Quando estamos por aqui sentimos que tudo o que ali vem graciosamente escrito são grandes verdades. Tão grandes que nem sei como são permitidas, dado que aqui temos que ter cuidado com o que dizemos. Para uma desbocada como eu, filha da liberdade, isto é sempre um treino.

Deixo-vos um trecho, ou parte dele, de uma das crónicas deste livro. Trecho esse que me parece pertinente, não só para Moçambique como para muitos outros países.

o homem que desconseguiu roubar
Era uma vez um homem que queria roubar o seu país. O seu plano, era o seguinte: começaria pela provincia mais pequena e ia avançando para as maiores. Quando dessem conta, o país já não existia. Já ele o tinha vendido no mercado internacional, onde se vendem países ao desbarato.
Dito e feito. Pegou num saco e começou a meter nele a província mas pequena. Com uma pá ia escavando, metendo terra, pedras e plantas, estradas e fábricas, tudo para dentro do saco. Fez mil viagens, encheu mil sacos. E ao fim de muito esforço viu que a província ainda estava lá. Parecia inteira, intacta, incólume. Voltou para casa e sentou-se num canto, muito triste. Então todos roubam e só ele não era capaz? Assim angustiado, decidiu ligar a televisão. Escutou o debate de uns políticos. Falavam do país, do tal que ele, em vão, tinha tentado lapidar. Tinha os olhos no ecrã, mas era só para se distrair. Foi quando reparou que um pedaço do país estava a sair fora do bolso de um deputado. Reparou melhor e confirmou que assim era. Olhou os outros políticos e viu que, em quase todos eles, os bolsos estavam atafulhados de património nacional...

... O mais estranho ainda estava por vir: é que, de vez em quando, faltava a luz no estúdio. E depois, quando a luminosidade se recompunha, os bolsos dos fulanos já estavam de novo meio vazios. Voltavam a encher, sempre à custa da terra. Mas, de novo, vinha a escuridão e os bolsos vazavam.
Uma das vezes, porém, o intervalo de escuro foi muito breve e viu-se que havia uma mão comprida, que vinha de além do estúdio (a bem dizer vinha de além-fronteiras) e que vazava os bolsos dos nobres senhores. Mas por razões misteriosas lá se enchiam os bolsos de novo. E o ciclo se refazia.
Até que, de repente, aconteceu um facto extraordinário - o chão do estúdio televisivo ruiu. Entrevistados e entrevistadores sumiram repentinamente num abismo. Para o nosso telespectador só havia uma explicação: os grandes senhores tinham tirando tanto país que, por baixo deles, já só havia um enorme buraco....

Mia Couto, O país do queixa-andar

Nota: Desconseguiu....um verbo muito conjugado por aqui.


Estamos Juntos, pela liberdade de expressão!

Um comentário:

Unknown disse...

o pais stá mal memo os deputados tinham que ler este livro pra ver se consigam ajudar este pais. Ja estamos cansados de ver os nossos bolso s vazios depois de muito trabalho emquanto ha quem come por nos sentado